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São imagens esquemáticas e com poucos detalhes, mas que se tornam poderosas ao informar os mais fundamentais significados que as pessoas atribuem a si  mesmas, ao mundo e às suas relações internas e externas. 

 

 

 

 

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Imagem: Trindade de Brahma, Vishnu e Mahessha, pintura em Batik

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Compreender o mundo sempre foi difícil. Para articular o grande conjunto de dados de um momento na História, é necessário lançar mão de grandes sínteses ou de modelos muito, muito abrangentes.

Diferentes grupos humanos intuíram, desenvolveram e se organizaram a partir de diferentes teorias do que constitui e organiza o cosmo e a vida humana. Frente à impossibilidade da apreensão e descrição fiel da realidade como um todo, estes modelos nos oferecem metáforas didáticas. São imagens esquemáticas e com poucos detalhes, mas que se tornam poderosas ao estabelecer os mais fundamentais significados que as pessoas atribuem a si mesmas, ao mundo e às suas relações. 

filosofiasAllan Watts, numa discussão sobre a diferença primordial entre a concepção de mundo das civilizações do oriente e do ocidente, fala de três grandes metáforas ou teorias:  1) a tradição ocidental, judaico-cristã, que se forma a partir de um modelo político; 2) a filosofia hindu, que se estrutura sobre um modelo dramático; e 3) o pensamento taoista que opera a partir de uma matriz orgânica.

As notas que se seguem foram extraídas de uma palestra de Alan Watts, originalmente intitulada Ways of Liberation (Caminhos de Libertação), cuja transcrição está disponível na página  alanwatts.org  e que se encontra traduzida para o Português como “A Relevância da Filosofia Oriental”, e publicada no livro Filosofias da Asia da editora Fissus.

O modelo político

“Existem vários modelos de universo que os homens têm utilizado ocasionalmente, e o modelo que está por trás da tradição judaico-cristã, se é que realmente existe tal coisa, é um modelo político. Toma emprestado a metáfora da relação de um antigo monarca do Oriente Próximo com seus súditos; ele impõe, de cima para baixo, a sua autoridade e a sua vontade aos seus súditos através do poder, seja ele poder físico ou poder espiritual. É assim que, na Igreja Anglicana, na oração matinal, quando o sacerdote se refere ao trono da graça, ele diz: “Deus Eterno e Todo-Poderoso, Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, o único regente dos príncipes, que do Seu trono contempla todos os habitantes sobre a terra, muito sinceramente suplicamos que, com s sua benevolência, contemple a nossa majestade soberana a Rainha Elizabeth, e toda a família real.”

Agora, o que são essas palavras? Essa é a linguagem da bajulação da corte e o título “Reis dos Reis”, como um epíteto de Deus, foi emprestado dos imperadores persas. “Senhor, tenha piedade de nós”, é uma imagem extraída de coisas terrenas e aplicada a coisas celestiais. Deus é o monarca e, portanto, entre o monarca e o súdito existe uma certa diferença  essencial, que podemos chamar de uma diferença ontológica. Deus é Deus, e todas aquelas criaturas, sejam anjos, homens ou outros tipos de existência que Deus tenha criado, não são Deus. Existe um vasto golfo metafísico entre esses dois domínios.” 

O modelo dramático

“Um outro modelo é o dramático, no qual Deus não é o talentoso criador do mundo que permanece acima dele como seu artífice e rei, mas no qual Deus é o ator do mundo como um ator num palco – o ator que está interpretando todos os papeis ao mesmo tempo. Em essência esse é o modelo Hindu do universo. Todo o mundo é Deus com uma máscara e, evidentemente, a nossa própria palavra pessoa vem do latim persona: “aquele através do qual vem o som”. Essa palavra era empregada para as máscaras usadas pelos atores no teatro greco-romano que, sendo um teatro a seu aberto, exigia a projeção da voz. Entretanto, com o correr do tempo, a palavra pessoa passou a significar “o verdadeiro você”. No pensamento hindu, cada indivíduo como uma pessoa é uma máscara; fundamentalmente, é uma máscara da divindade – uma máscara de uma divindade que é o ator por trás de todos os papeis  e o jogador de todos os jogos. Este é Brahman, ou a realidade ultima, que não é definível pois aquilo que é central não pode ser feito objeto do conhecimento, assim como você não pode morder os seus dentes. Você nunca consegue entender tal realidade pela mesma razão pela qual você não consegue olhar” dentro de seus próprios olhos: ele está no meio de todas as coisas, é o círculo cujo centro está em todos os lugares e cuja circunferência não está em lugar nenhum”. 

O modelo orgânico

“Um terceiro modelo de universo, que é caracteristicamente chinês, vê o mundo como um organismo, e um mundo que é um organismo não tem nenhum chefe e nenhum ator. Isso porque, em qualquer organismo, realmente não existe nenhum chefe ou “órgão superior”. […] O princípio do organismo é mais exatamente assim: um organismo é um sistema diferenciado, mas que não tem partes. Isto é, o coracáo não é uma parte do corpo no sentido que um distribuidor é uma parte do motor de um automóvel. Um organismo se desenvolve como um cristal em solução ou como uma chapa fotográfica em substancias químicas. Desenvolve todas as partes ao mesmo tempo, e não existe um chefe. Todas agem juntas de um modo estranho que é uma espécie de anarquia disciplinada. 

Fundamentalmente, essa é a visão chinesa do mundo, o principio de crescimento orgânico que eles chamam de tao. Normalmente, essa palavra chinesa é traduzida como o “curso da natureza” ou o “caminho”, significando o modo de fazer ou o processo das coisas. De novo, essa é uma ideia muito diferente da ideia ocidental de Deus como o Soberano.  Sobre o tao, lao-Tsu diz: “O grande tao fui em todos os lugares, tanto à esquerda quanto à direita. Ele ama e nutre todas as coisas, mas não é o senhor delas. Quando os méritos se realizam, ele não os reivindica.”Sendo assim, a expressão chinesa para natureza torna-se uma palavra que iremos traduzir com “por si mesmo”. É aquilo que acontece por si mesmo, como quando você está com soluços. Você não planeja ter soluços: acontece por si mesmo. Quando você respira, não pode fingir que não está respirando. A maior parte do tempo, você não está pensando nisso e seus pulmões respiram por si mesmos. Então, a teoria orgânica do mundo é a de que a natureza é algo acontecendo por si mesma, sem um governante.”

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LIMA, A. A. O político, o dramático e o orgânico: Alan Watts sobre os três grandes modelos para imaginar o universo. 2021. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/0-politico-o-dramatico-e-o-organico>. Acesso em: dia/mês/ano.