“Realmente, vivemos em tempos sombrios!” Como passar o tempo que nos é concedido nesta terra? Como seremos percebidos pelos que eventualmente chegarão?
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SOBRE A VIDA EM TEMPOS SOMBRIOS: UM POEMA DE BERTOLD BRECHT `{`1898- 1956`}`.
Imagem: A mulher chorando, Pablo Picasso, 1937
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A doença, a morte, a fome, os massacres, o autoritarismo, a injustiça, o desespero. Nada disso é novo. Partilhamos com muitas gerações passadas o destino de viver um tempo de desastre moral e catástrofe política. O poema de Brecht “Aos que vierem depois de nós”, escrito às vésperas da Segunda Guerra Mundial, é dirigido a leitores futuros que, tendo nascido num mundo diferente, não conseguirão compreender o que foi vivido naquele tempo de crise. Naquele tempo, tão distante e tão próximo, quando “havia só injustiça e nenhuma indignação”.
“Realmente, vivemos em tempos sombrios!” Brecht pede compaixão aos seus futuros juizes, por sua fraqueza e pela falta de sabedoria de seus atos, ciente de que “o ódio contra a baixeza endurece a voz”. Em meio às chacinas que nos cercam, compartilhamos hoje os receios dos que nos precederam. Como passar o tempo que nos é concedido nesta terra? Como seremos percebidos pelos que eventualmente chegarão?
Aos que vierem depois de nós
I
Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?
É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: “Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!”
Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.
Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.
II
Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
III
Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.
Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.
E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.
– Bertolt Brecht (Tradução Manuel Bandeira)
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LIMA, A. A. Sobre a vida em tempos sombrios: um poema de Bertold Brecht p. 2021. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/sobre-a-vida-em-tempos-sombrios>. Acesso em: dia/mês/ano.