“O fanático nunca entra num debate”, Amós Oz.
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O FANATISMO É O INIMIGO.
Imagem: Emil Nolde, Pentecostes, 1909.
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Nos últimos dias de 2018, calou-se mais uma grande voz. Literato, filósofo e incansável advogado da paz, o israelita AMÓS OZ [04/05/1939 – 28/12/2018] é autor de uma obra necessária. Nascido no curso da segunda guerra mundial, Amós Oz, viveu na pele e refletiu sobre conflitos territoriais, étnicos, religiosos. Sua conclusão é que, tanto no dia a dia mais prosaico quanto na escala mundial, a raiz dos piores confrontos está no fanatismo. Selecionados uma de suas últimas publicações, os trechos abaixo compõem um sintético e potente manual de reconhecimento e terapêutica do adoecimento causado por este mal.
Como identificar um fanático:
1. “Todos os fanáticos tendem a viver num mundo em preto e branco. Num faroeste simplista de mocinhos contra bandidos. O fanático é na verdade um homem que só sabe contar até 1.” (p. 24)
2. “Quanto mais difíceis e complexas se tornam as perguntas, tanto mais cresce a avidez por respostas simples, respostas com uma única sentença, respostas que apontem sem hesitação os culpados por todos os sofrimentos, respostas que nos assegurem de que, uma vez eliminemos e exterminemos os malvados, imediatamente todos os nossos tormentos desaparecerão. ” (p.14)
3. “O fanático nunca entra em um debate. Se ele considera que algo é ruim, se para ele está claro que algo é ruim aos olhos de Deus, seu dever é liquidar imediatamente aquela abominação, mesmo que, para isso, tenha que matar seus vizinhos ou quem mais por acaso estiver perto”. (p.13)
4. “Conformismo, caminhada cega por um rumo preestabelecido, obediência sem pensar e objetar, a tão disseminada ânsia de pertencer a um grupo humano compacto e sólido, estes também são componentes da alma do fanático.” (p.25)
5. “Um dos sinais contundentes que identificam um fanático é sua aspiração ardente a mudar o outro, para que seja como ele. Convencê-lo imediatamente a trocar de religião. “ (p. 28)
6. “[existem fanáticos a olho nu] Mas existem tipos menos evidentes e menos expostos de fanáticos; eles são abundantes à nossa volta, e às vezes entre nós também. Até mesmo no dia a dia da sociedade e entre as pessoas que conhecemos bem vislumbram-se manifestações, não necessariamente violentas, de fanatismo. Aqui e ali é possível deparar, por exemplo coma reação de antitabagistas fanáticos que acham quase justificado queimar vivo quem usa acender um cigarro em suas proximidades, ou vegetarianos fanáticos que parecem querer comer vivos os comedores de carne. Alguns colegas no movimento pacifista me condenam, raivosamente, só porque tenho uma opinião diferente quanto ao caminho desejável para alcançar a paz entre Israel e Palestina.”(p. 22)
7. “Mais de uma vez essa doença começa com sintomas quase ingênuos: não com cabeças decepadas, não com explosões de carros-bomba, não com casas incendiadas com a família no interior, mas exatamente em casa, na família: o fanatismo começa em casa. Suas primeiras e tênues manifestações, que todos conhecemos bem, se expressam na ânsia tão difundida de mudar um pouco as pessoas que amamos, para o bem delas. De, às vezes, sacrificar-se por elas, em especial quando estão totalmente cegas e não percebem o mal que estão fazendo a si mesmas dia após dia. “seja como nós”, “Aprenda comigo”: palavras de uso cotidiano não raro carregam uma carga oculta de fanatismo”. (p.33)
8. “Assim, uma semente oculta ou não, de fanatismo pode estar por trás de manifestações diversas de um dogmatismo irredutível, de um bloqueio ou de hostilidade que você não aceita. Uma certeza de ser o dono da verdade entrincheirada e blindada em si mesma, certezas sem janelas nem portas, aparentemente é o sinal para o reconhecimento desta doença, assim como o são atitudes que emanam dos poços turvos do desdém e da repulsa, que eliminam todos os outros sentimentos.” (p.22)
9. “O fanatismo é uma doença contagiosa. Pode-se contraí-la quando se luta para curar outras pessoas que a pegaram. No mundo, não são poucos os fanáticos antifanáticos.” (p.41)
Os antídotos ao fanatismo:
1. “Curiosidade e força da imaginação. Esses dois fatores talvez nos sirvam como uma vacina parcial contra o fanatismo. Imaginar o mundo interior das ideias e dos sentimentos do outro: imaginá-lo inclusive quando há litígio. Imaginá-lo também – principalmente – nos momentos em que se avoluma em nós aquela mistura ardente de raiva, ofensa, convencimento da própria razão e a certeza pungente de que fomos vítima de injustiça e de que a justiça está do nosso lado. E perguntar de vez em quando: “E se eu fosse ela? Ou ele? Ou eles? ”. Calçar por um momento os sapatos do próximo, atém mesmo entrar na pele dele não para a travessar um rio, para “nascer de novo”, e sim, apenas, para compreender e sentir o que existe lá, de verdade: o que existe do outro lado do rio? O que eles têm na cabeça? O que sentem e como? E como nós somos vistos de lá? (E com isso tentar esclarecer igualmente qual a profundidade desse rio que nos separa? Qual é a largura? Como e onde seria possível construir uma ponte sobre ele?0 Essa curiosidade não nos levará necessariamente a a concluir que existe uma relatividade moral que varre tudo, nem a anulação de si mesmo em benefício da identidade do próximo. Ela pode nos levar à descoberta espetacular de que existem muitos rios e de que de cada uma de suas margens se divisa uma paisagem diferente, excitante e surpreendente, paisagens que são excitantes mesmo que não sirvam para nós, paisagens surpreendentes que não nos atraem. Talvez realmente esteja embutida na curiosidade uma possibilidade de abertura e de tolerância.” (p. 38)
2. “Além da curiosidade e da imaginação, o humor pode se constituir num anticorpo eficaz contra o fanatismo. E, principalmente, o humor aplicado a si mesmo, a disposição de zombar de si próprio. Eu nunca deparei com fanáticos que tivessem senso de humor. Nunca vi alguém que fosse capaz de se divertir à própria custa tornar-se um fanático (embora agudeza, sarcasmo e língua ferina sejam atributos de muitos fanáticos. Mas não senso de humor, muito menos em relação a si mesmo0. O humor traz consigo um viés que permite enxergar, ao menos por um instante, coisas já conhecidas sob uma luz totalmente nova. Ou ver a si mesmo, ao menos por um instante, como os outros o veem. Esse viés nos convida a esvaziar o excesso de importância que se atribui a algo, principalmente a nós mesmos. Mais ainda: o humor geralmente implica uma medida de relativismo, de “rebaixar o sublime” (e não raro este rebaixamento é feito com exagero desmedido). Mesmo que você seja muito maravilhoso e puro como a neve – é bom que em algum momento desponte, por um instante que seja, algum pequeno demônio, um demoniozinho palhaço que dê uma piscadela e zombe da sua justiça absoluta e da magnifica pureza e da santidade e do que está acima de qualquer dúvida e tripudie sobre essa importância e essa celebração que transbordam de suas margens”. (p.41)
“Mais de Uma Luz: fanatismo, fé e convivência no século XXI”.
Amós Oz [04/05/1939 – 28/12/2018]
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LIMA, A. A. O fanatismo é o inimigo. 2019. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/o-fanatismo-e-o-inimigo>. Acesso em: dia/mês/ano.
Muito pertinente.