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Se você já ouviu falar de Prometeu, de Buda e de Adão e Eva, precisa também conhecer a história de Toba, o primeiro homem a existir na terra, segundo o mito dos Tuparis.

 

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Imagem: Medi Belortaja.

A mitologia aponta caminhos e, às vezes, os mais próximos são os mais desconhecidos. Se você já ouviu falar de Prometeu, de Buda e de Adão e Eva, precisa também conhecer a história de Toba, o primeiro homem a existir na terra, segundo o mito dos Tuparis.

o primeiro homemA resposta que um povo dá a indagação sobre as origens, sobre de onde viemos e como o homem foi criado tem importância psicológica central. Essa resposta, expressa pelo mito, proporciona o conjunto de imagens que dão à consciência humana um significado e uma direção.  Entre os Tuparis, este ensinamento se encontra na história do herói mítico Toba, que sustenta o peso de uma grande pedra para permitir ao surgimento das demais criaturas.  De geração em geração, seus feitos são contados, cantados e interpretados de forma ritual.

Todo mito é múltiplo e múltiplas podem ser as formas de compreende-lo. No entanto, um aviso aos navegantes: um mito não é uma história qualquer. Ele funciona como uma mandala ou um círculo sagrado, que descreve um campo onde você pode se situar. Segundo o psiquiatra C. G. Jung, estas afirmações coletivas são um retrato da psique: não falam de uma verdade histórica ou geográfica, mas de uma realidade interna.  É uma história que se utiliza de imagens do mundo concreto, para conter e transmitir mistérios da vida e que pode, se a ela for dada a atenção adequada, revelar saídas para os dilemas humanos.

A narração do mito coloca o dia-a-dia em relação com o transcendente. Mistura-se o eterno, os primeiros tempos e o agora. Quem for capaz de receber a história por ouvidos sensíveis ao simbólico, e de nela se refletir, percebe a inspiração e vê no deus um modelo. É esta conexão – da consciência humana com a natureza da vida – que transforma, centra e cura.

Contada em O primeiro homem e outros mitos dos índios brasileiros,  uma deliciosa coletânea de autoria da antropóloga Betty Mindlin, a história do começo da humanidade (reproduzida abaixo) é uma entre nove narrativas tradicionais, recolhida de seis diferentes povos indígenas. Bem ilustrada e atraente para os pequenos, a edição capricha também no cuidado metodológico e didático. Originalmente ouvidos nas línguas indígenas, os mitos foram registrados por antropólogos, depois traduzidos e transcritos em Português.  Um livro que merece muito fazer parte da sua biblioteca.

Não existia gente no mundo, apenas um homem chamado Toba com sua mulher. Plantavam macaxeira, milho, batatas, bananas, mamão.

Fora da roça deles, tudo era natureza, sem plantação alguma.

Eram só os dois sozinhos. Nem sequer bichos havia; só a cutia e o nambu-relógio.

Toba debulhava o milho e fazia montinhos.

Um dia, viu que a colheita estava desaparecendo. Imaginando que o ladrão podia ser a cutia, se não fosse a tanajura ou a saúva, fez uma tocaia para espreita-la, bem de madrugada.

Em vez de cutia, viu que era gente, debaixo da terra, que esticava a mão por um buraco para roubar seu milho. Toba conseguia ouvir conversas no subterrâneo, pessoas brigando para ver quem poria primeiro a mão para surripiar o milho.

A saída do mundo subterrâneo era um buraco tampado por uma rocha pesadíssima.

Toba fez força e conseguiu levantá-la para as pessoas saírem; mas tinha que ficar segurando o peso imenso, apressando o povo enquanto sustentava a rocha.

As pessoas foram saindo. Tinham mãos de pato, com dedos grudados. Eram horrendas, diferentes das de hoje, com chifres, queixos protuberantes, narizes compridos e dentes aguçados, salientes. Iam saindo com todos os seus pertences, cestas, colares, arcos e flechas. Vinham fazendo barulho, brigando para ficar cada uma com mais milho que a outra.

Toba não queria que saísse a semente dos que não são índios, dos que são chamados “brancos”.

Quando aparecia a cabeça de um homem ou mulher que não era índio querendo sair, Toba empurrava de volta para o buraco.

O pessoal começou a demorar muito para sair.

Havia uma mulher linda que, ao chegar à saída, lembrou que deixara a peneira lá embaixo; voltou para buscar. Todos chamavam, mas nada dela aparecer.

Se tivesse saído, as pessoas hoje seriam lindíssimas, mas demorou tanto que Toba não aguentou mais segurar a rocha.

Toba foi ficando bravo, pois a semente dos “brancos (um homem e uma mulher) conseguiu sair, mas a mulher linda acabou ficando lá dentro.

Toba pôs a rocha no lugar e fez banco e esteira para as pessoas sentarem. Começou então a consertá-las e separá-las em povos diferentes.  Cortou os chifres, rabos, serrou os pés de pato.

Era uma operação demorada, e cada vez que o Sol estava quase se pondo, Toba puxava-o para cima outra vez, para que não escurecesse logo, para poder ter um dia mais comprido.

Quando ajeitou tudo, Toba ensinou cantigas aos homens:

– Quem vai ser cantor? De que povo?

Os homens respondiam e escolhiam. Cada povo tinha sua cantiga, sua língua, e ficou assim.

Os Tupari aprenderam por último; Toba ralhava quando erravam. A cantiga começava assim:

Tamairiran, tamairiran

A semente do branco ficou para trás.

O índio ficou sendo o dono da terra, porque saiu primeiro. O branco saiu por último; Toba queria que ele tivesse ficado lá em baixo.

Toba espalhou os povos dos índios por todos os cantos, aumentando a terra e o mato par todos caberem.

(Narrado: Konkuat Tupari, 1989, narrativa registrada por Betty Mindlin.)

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LIMA, A. A. O mito da origem, 2017. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/o-mito-da-origem>. Acesso em: dia/mês/ano.