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“Realmente, vivemos em tempos sombrios!” Como passar o tempo que nos é concedido nesta terra? Como seremos percebidos pelos que eventualmente chegarão?

 

 

 

 

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Imagem: A mulher chorando, Pablo Picasso, 1937

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A doença, a morte, a fome, os massacres, o autoritarismo, a injustiça, o desespero. Nada disso é novo. Partilhamos com muitas gerações passadas o destino de viver um tempo de desastre moral e catástrofe política. O poema de Brecht “Aos que vierem depois de nós”, escrito às vésperas da Segunda Guerra Mundial, é dirigido a leitores futuros que, tendo nascido num mundo diferente, não conseguirão compreender o que foi vivido naquele tempo de crise. Naquele tempo, tão distante e tão próximo, quando “havia só injustiça e nenhuma indignação”.

“Realmente, vivemos em tempos sombrios!” Brecht pede compaixão aos seus futuros juizes, por sua fraqueza e pela falta de sabedoria de seus atos, ciente de que “o ódio contra a baixeza endurece a voz”. Em meio às chacinas que nos cercam, compartilhamos hoje os receios dos que nos precederam. Como passar o tempo que nos é concedido nesta terra? Como seremos percebidos pelos que eventualmente chegarão?

 

 

 

Aos que vierem depois de nós

 

I

Realmente, vivemos tempos sombrios!

A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas

denota insensibilidade. Aquele que ri

ainda não recebeu a terrível notícia

que está para chegar.

Que tempos são estes, em que

é quase um delito

falar de coisas inocentes.

Pois implica silenciar tantos horrores!

Esse que cruza tranqüilamente a rua

não poderá jamais ser encontrado

pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,

Mas acreditai-me: é pura casualidade.

Nada do que faço justifica

que eu possa comer até fartar-me.

Por enquanto as coisas me correm bem

(se a sorte me abandonar estou perdido).

E dizem-me: “Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!”

Mas como posso comer e beber,

se ao faminto arrebato o que como,

se o copo de água falta ao sedento?

E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.

Os livros antigos nos falam da sabedoria:

é quedar-se afastado das lutas do mundo

e, sem temores,

deixar correr o breve tempo. Mas

evitar a violência,

retribuir o mal com o bem,

não satisfazer os desejos, antes esquecê-los

é o que chamam sabedoria.

E eu não posso fazê-lo. Realmente,

vivemos tempos sombrios.

II

Para as cidades vim em tempos de desordem,

quando reinava a fome.

Misturei-me aos homens em tempos turbulentos

e indignei-me com eles.

Assim passou o tempo

que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.

Deitei-me para dormir entre os assassinos.

Do amor me ocupei descuidadamente

e não tive paciência com a Natureza.

Assim passou o tempo

que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.

A palavra traiu-me ante o verdugo.

Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes

Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.

Assim passou o tempo

que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta

achava-se muito distante.

Pude divisá-la claramente,

ainda quando parecia, para mim, inatingível.

Assim passou o tempo

que me foi concedido na terra.

III

Vós, que surgireis da maré

em que perecemos,

lembrai-vos também,

quando falardes das nossas fraquezas,

lembrai-vos dos tempos sombrios

de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,

mudando mais freqüentemente de país

do que de sapatos,

através das lutas de classes,

desesperados,

quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos

que também o ódio contra a baixeza

endurece a voz. Ah, os que quisemos

preparar terreno para a bondade

não pudemos ser bons.

Vós, porém, quando chegar o momento

em que o homem seja bom para o homem,

lembrai-vos de nós

com indulgência.

– Bertolt Brecht (Tradução Manuel Bandeira)

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O projeto Ressonâncias acredita no compartilhamento de ideias. Caso alguma informação lhe seja útil, por favor, nos deixe um recado (vamos ficar muito contentes!) e não se esqueça de obedecer as normas da ABNT. Neste caso, coloque assim:

LIMA, A. A. Sobre a vida em tempos sombrios: um poema de Bertold Brecht p. 2021. Disponível em; <http://www.ressonancias.com/sobre-a-vida-em-tempos-sombrios>. Acesso em: dia/mês/ano.